Memórias de Metodi Konstantinov
Hitler e seu partido nazista tinham chegado ao poder na Alemanha. Hitler considerava os comunistas e os judeus seus maiores inimigos. Lidou com os comunistas remetendo alguns aos campos de concentração e prisões, outros para porões. Matou alguns. E ainda outros fugiram para o Exterior. Os judeus tinham então grande poder econômico na Alemanha. Grande parte do capital financeiro estava em suas mãos. Bem no início, Hitler inclusive atraiu para seu lado alguns indivíduos desses círculos. E eles o ajudaram, com seu dinheiro, a tomar o poder. Outros grupos do capital financeiro foram forçados a renunciar a seus recursos, deixando seu capital para Hitler, inclusive como ‘expiação’, recebendo em troca passaportes para emigrar para o Exterior. Então, eles se salvaram sacrificando sua riqueza. Isso se referia ao grande capital financeiro. Todos os outros tiveram de pagar com a vida: foram enviados para campos de concentração e destroçados.
A próxima etapa foi trazer para a Alemanha os judeus dos países ocupados durante a guerra, para também liquidá-los. Sendo aliada da Alemanha, a Bulgária teve que tomar as mesmas ações contra os judeus. Os soldados alemães passavam pela Bulgária para ir lutar na Grécia e na Iugoslávia.O Rei Boris, da Bulgária, tentou eximir-se de responsabilidade, justificando que as decisões eram tomadas pelo Governo e ministros, e não por ele.
Naquela época eu [Metodi Konstantinov] tinha um cargo importante na Diretoria de Propaganda. Um dia o Ministro do Interior Gabrovsky me chamou ao seu gabinete. Ali me entregou uma ordem na qual estava escrito meu nome. Eu tinha sido designado para acompanhar os judeus enviados da Bulgária para lugares de referência na Polônia em vagões de trem. Perguntei a ele por que exatamente eu deveria fazer esse trabalho e não outro. A resposta foi: você é alto funcionário da Diretoria de Propaganda, os alemães têm confiança e simpatia por esta instituição, você estudou na Polônia e conhece seu idioma. Surpreso e chocado, não consegui dizer nada, peguei o documento e corri até Ízgrev para falar com o Mestre.
Como funcionário dessa Diretoria, passavam por mim todas as notícias transmitidas por cerca de 120 estações de rádio estrangeiras. Eu sabia que os alemães estavam matando os judeus nos campos de concentração na Polônia. E eu estava encarregado de levar os judeus búlgaros para serem mortos lá. Cheguei a Ízgrev completamente abalado e entreguei ao Mestre a ordem de acompanhar a evacuação dos judeus búlgaros para a Polônia. Ele me perguntou: “O que está acontecendo?”Respondi: “Mestre, há vários anos todos os judeus dos territórios ocupados pela Alemanha são mandados para campos de concentração na Polônia, onde são mortos!” O Mestre jogou o documento no chão, adquiriu uma fisionomia extremamente rigorosa e me ordenou: “Vá imediatamente encontrar Lulchev!” Corri para a barraca de Lulchev e encontrei-o lendo um jornal. Transmiti-lhe a ordem do Mestre. Enquanto íamos até ele, contei-lhe o que tinha acontecido comigo. Lulchev e eu estamos diante do Mestre que, zangado, anda de um lado para o outro em seu quarto. Ele pára de repente, olha para nós e se dirige a Lulchev, fitando-o nos olhos:
"Vá até o rei e diga-lhe que, se enviar um judeu sequer para os campos de concentração, ele e toda a sua família serão liquidados! Não restará a menor memória de sua dinastia”. Lulchev respondeu: "Entendido!" e saiu da sala. Segui-o até sua barraca, onde ele se trocou, indo em seguida pedir ajuda aos militares para procurar o rei Boris e transmitir-lhe o recado do Mestre.
Nessa época, eu acompanhava em meu escritório todas as notícias relacionadas aos judeus. Estava sob extrema tensão. No terceiro dia, Lulchev voltou e fomos juntos até o Mestre. Lulchev contou: “Mestre, estive em todas as residências do rei – em Vranya, Cham Koria, mas não o achei em parte alguma. Escondeu-se em algum lugar para que não o encontremos”.Conversávamos em frente à porta do Mestre, com ele na soleira. Ele nos disse para esperar um momento e entrou no quarto, fechando a porta. Depois de um minuto, abriu-a e disse apenas uma palavra: “Kritchim” [i]. Lulchev confirma que entendeu e sai. Novamente recorreu aos militares e foi para Kritchim procurar o rei.
Encontrou-o escondido nessa cidade. O rei perguntou: “Quem lhe contou que eu estava aqui?” Muito tenso, Lulchev responde: “O Mestre Pétar Dânov me enviou para lhe dizer que, se Vossa Majestade mandar um único judeu para a Polônia, toda a sua família será destruída e morta!” Ao dizer isso, Lulchev se acalma e o rei estremece. Consegue apenas pronunciar: “Sofia”. Os dois descem, entram no carro do rei e dirigem pela estrada poeirenta até Sofia. Ali, vão imediatamente para a sala do Ministro Gabrovsky e o rei exige: “Dê-me o decreto sobre os judeus!”Gabrovsky tira o documento de um armário de ferro, o rei o toma com as mãos trêmulas e rasga-o em pedaços. Depois disso, volta-se para Lulchev, dizendo: “Você viu com seus próprios olhos: o decreto sobre os judeus não existe mais!”Lulchev se abaixou e apanhou um pedaço do documento rasgado, colocando-o no bolso. Chegando a Ízgrev, contou-me tudo, mostrando o pedaço do documento rasgado. Sugeri que o levássemos ao Mestre. Ele nos recebeu e Lulchev relatou tudo minuciosamente. Finalmente, o Mestre disse: “Eu não permito que se cometa esse crime diante de Deus!” Depois, despediu-se de nós.
Assim, os judeus foram salvos e o rei encontrou uma maneira de se justificar diante dos alemães por cancelar a ordem.
Muitos dos judeus de Sofia sabiam quem os salvara. Mas não se atreveram a dizê-lo abertamente ao antigo governo. Quando os comunistas chegaram ao poder, continuaram em silêncio, porque o governo comunista lhes deu permissão para retornar a Israel. Então, tanto sob um governo quanto sob o outro, eles se calaram.
Aqui está um breve relato da salvação dos judeus na época do Mestre. Sou uma das testemunhas e fui um dos participantes da salvação dos judeus.
Vi a grandeza do Mestre em palavras e ações.
(Memórias de Metodi Konstantinov, coletadas e apresentadas por Vergilii Krastev. publicadas no livro ‘Izgreva da Fraternidade Branca canta e brinca, aprende e vive’, volume 4, páginas 533-535, Sofía, editorial Life Class, 1995.)
[i] Nota: Kritchim é uma cidade da Bulgária próximo à qual o Rei Boris tinha um palácio que atualmente é um museu.
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